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Correio Braziliense: Documentário vai contar a trajetória de Hugo Rodas no teatro

Reprodução: Correio Braziliense/Nahima Maciel

Foi por volta de 2015 que a atriz, produtora e diretora Catarina Accioly começou a matutar sobre um documentário que investigasse a personalidade de Hugo Rodas. A experiência como aluna, as vivências no palco, depois de formada, e a amizade com o diretor guiaram Catarina para essa ideia, que só foi mesmo tomar uma forma mais concreta recentemente.

Em 2018, a diretora captou as primeiras imagens do que viria a ser o filme Rodas de gigantes. Agora, na ilha de montagem, ela se debruça sobre 80 horas de material para alinhar tudo em uma narrativa que nada tem de cronológica e da qual emerge o que a diretora chama de “ser mitológico”.

Rodas de gigantes deve estrear em 2023, mas começou a ser filmado durante o aniversário de 79 anos de Hugo Rodas, em 2018. “O título é uma referência a vários sentimentos que o Hugo provoca, à questão cíclica, ao próprio círculo de trajetória de vida dele, sempre passando por muitos lugares, estabelecendo muitos vínculos”, explica Catarina.

“Tem uma analogia ao gigante, esse ser mitológico que está aí povoando nosso universo desde sempre e que acho que traz essa representação: é uma brincadeira com o próprio nome dele, trazendo essa referência lúdica da roda gigante.”

Rodas estava em plena atividade quando Catarina fez as primeiras imagens. Dirigia um espetáculo com a Agrupação Teatral Amacaca (ATA), dava aulas na Universidade de Brasília (UnB) e mantinha contato intenso com grupos de música da cidade. A diretora fez um teaser com as imagens captadas durante o aniversário e levou o material para um teste no Ventana Sur, feira em Buenos Aires (Argentina) que reúne agentes-chaves do setor audiovisual ibero-americano.

“Recebi feedback muito bom, só de ver o teaser de aniversário as pessoas sentiram o impacto do personagem e me incentivaram a continuar. Voltei para Brasília e comecei a ter essa meta de acompanhar o Hugo”, conta Catarina.

Primeiro, ela fez imagens com o diretor em casa e na UnB. Depois, acompanhou ensaios, interações mais íntimas com amigos, outros três aniversários e uma viagem reveladora ao Uruguai, em janeiro deste ano, quando Hugo Rodas quis visitar a família e sua cidade natal, Juan Lacaze. “O documentário vem com a proposta de um improviso poético com Hugo, acompanhando, estando com ele, e, claro, com essa mirada de ex-aluna, ex-atriz”, conta a diretora.

“Conseguimos improvisar com ele e com as situações que se apresentaram nesses quatro anos que a gente conseguiu filmá-lo em atividade, mesmo passando por cirurgias, combatendo o câncer com quimioterapia e radioterapia. Ele sempre esteve muito disposto para filmar e de uma forma impressionantemente humana, porém altiva, valente.”

Hugo Rodas morreu em 13 de abril, após sofrer um AVC e enfrentar um câncer por mais de três anos. Nascido em Juan Lacaze, interior do Uruguai, há 82 anos, Rodas era filho de imigrantes italianos e começou a fazer teatro muito cedo, apesar de atender às expectativas dos pais e estudar odontologia. Chegou a trabalhar como protético, mas foi mesmo o palco que o seduziu. Ao Brasil, ele chegou nos anos 1970, decidido a viver do teatro.

A biografia do diretor, no entanto, não é o foco do filme. “O foco é um improviso poético com o maestro das artes enfrentando todos os processos que englobam esses últimos quatro anos da vida dele, pautado cronologicamente pelos seus aniversários e por todas as intersecções que se estabeleceram possíveis de serem filmadas durante esse período”, avisa Catarina Accioly.

A construção cronológica, ela explica, é também simbólica. “Hugo é um grande contador de histórias e ele não só conta como vivencia as histórias. Então, existem outras camadas”, diz. A proximidade durante as filmagens fez a diretora perceber que existem semelhanças entre as memórias afetivas de Rodas no Uruguai e a Brasília que escolheu para viver. A partir dessa conexão, é possível entender a reverberação social e política do Hugo Rodas. “Essa interseção entre Uruguai e Brasília foi muito providencial, ficou como uma despedida. De certa maneira, a gente terminou de filmar lá.”

 Agrupação Amacaca

Formada por 14 integrantes, a Agrupação Teatral Amacaca (ATA) era o grupo de teatro com o qual Hugo Rodas vinha desenvolvendo mais projetos nos últimos anos. Com eles montou Os rinocerontes e Saltimbancos, versão atualizada de um clássico que ajudou o diretor a firmar trajetória em Brasília. A produção mais recente, no entanto, não teve tempo de chegar ao palco antes da morte do diretor.

O grupo trabalhava em uma homenagem à Semana de Arte Moderna de 1922 quando Rodas partiu. “Estávamos em processo de criação, está nascendo e o Hugo deixou pistas, ensaios, falas do que pretendia fazer, mas está tudo muito recente. A gente ainda está no baque, na emoção. Somos sempre surpreendidos com o Hugo, e temos sempre a sensação de ele ser imortal”, conta Dani Nere, uma das integrantes da ATA.

Quando voltou do Uruguai, em janeiro, Rodas sentiu uma dor de hérnia e, ao fazer exames, descobriu uma metástase do tumor que vinha tratando. No entanto, mesmo abalado pela dor e pelos tratamentos, continuou a trabalhar com a ATA. Reuniões e ensaios individuais ocupavam a sala do apartamento na Colina, uma forma de o diretor dirigir o espetáculo cuja estreia precisou ser adiada para agosto. A peça, ainda sem nome, deve ser encenada nas partes externa e interna do Museu Nacional da República.

Enquanto o projeto não é finalizado, os integrantes da ATA querem se empenhar em manter vivo o repertório do grupo e se reinventar sempre, uma característica constante da dinâmica de trabalho de Rodas.

“Vamos começar novas montagens dentro dessa linguagem que o Hugo provocou em nós. O maior legado é não parar, é continuar. E sinto também que é o caminho da arte-educação, muitos integrantes do grupo trabalham com dar aulas. É conseguir passar tudo isso que a gente vem absorvendo durante esses anos, por meio de oficinas e montagens”, diz Dani.

Para a atriz Rosanna Viegas, também seria importante constituir um instituto que pudesse receber o acervo do diretor. “Temos uma missão com o legado dele. Algumas coisas do acervo estarão em nome da ATA, ele tinha uma esperança de criar o Instituto Hugo Rodas e a ATA seria uma sede do instituto. Isso era um sonho. Mas estamos no Brasil. A gente tem que dar conta do acervo. Parece que a UnB vai guardar por um tempo, mas adoraríamos receber uma verba e um espaço para fazer um instituto”, diz a atriz. Figurinos, anotações, fotografias, coleções de cartazes, rabiscos de cenários, um material vasto e que conta a história do teatro de Brasília faz parte desse acervo.

Para este ano, a ATA ainda tem dois projetos prontos para serem iniciados. Um deles é filmar Os rinocerontes, que deve ser transformado em produto audiovisual por Santiago Dellape. Outro é a circulação de Saltimbancos nas escolas. O grupo também precisa decidir se vai ou não levar o Poema confinado para o ambiente presencial. A obra é filha da pandemia e, até agora, foi apresentada apenas em ambiente on-line.

“O Hugo se divertiu bastante fazendo e já estava até querendo virar cineasta”, conta Rosanna. Além disso, ela mesma estava escrevendo o argumento da adaptação de 1984, de George Orwell, para o teatro em uma montagem com um pé no audiovisual. Tocar os projetos é uma maneira de honrar a memória do diretor que nunca descansava e morreu cantando Hymne à l’amour (Edith Piaf), ao lado de Rosanna, Dani e outros integrantes da ATA.

Teatro

Após uma petição assinada por artistas da cidade, a Secretaria de Cultura e Economia Criativa (Secec) decidiu homenagear Hugo Rodas. O nome do diretor vai estar mais presente no Espaço Cultural Renato Russo: o Teatro Galpão passa a se chamar Teatro Galpão Hugo Rodas.

Fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/diversao-e-arte/2022/04/5001993-documentario-vai-contar-a-trajetoria-de-hugo-rodas-no-teatro.html

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